Sunday, March 25, 2012

Nova York Proibida

Que vergonha! Foto de contrabandistas de álcool nos EUA em 1929. Fonte: New York Times 
Semana passada eu assisti o filme O Artista em um cinema do bairro East Village e fiquei nostálgica por algo que eu nunca vivi. Saí de lá com vontade de encontrar uma Nova York que permanece escondida em um passado que para mim representa o início do que me faz secretamente admirar a cultura americana em momentos de descuido: a música, a criatividade, a capacidade de juntar seus pedaços após uma quebra e se reinventar, os mocinhos e os bandidos, as divas, os figurinos impecáveis, a classe de uma época onde não havia realidade barata televisionada por pseudo-atores, onde música era sinônimo de talento, onde os prazeres eram privados e a proibição deixava tudo mais interessante. 

O filme, que se passa em 1927, retrata a transição do cinema mudo para o falado. No entanto, uma mudança menos sutil acontecia nessa mesma década: a era da proibição, a lei seca Americana. Em 1920 entrava em vigor a 18ª Emenda à Constituição dos EUA aprovada pelo congresso Americano que proibia a fabricação e venda de bebidas alcoólicas. O Ato de Proibição Nacional só terminaria em dezembro de 1933 com a 21ª Emenda à Constituição Americana, permanecendo ativo por 13 anos. Durante essa época, metade das bebidas nos EUA eram produzidas clandestinamente ou adulteradas, o que forçou a era clássica dos drinks dos anos 20 a sair de cena. Coquetéis de péssima qualidade e mau-gosto estavam em cartaz. Muitos anos antes de Carrie Bradshaw e seus cosmopolitans, Nova York vivia a pior época para coquetéis da sua história. A expressão muito usada aqui quando algo é muito bom "to die for", ou seja, "de morrer", era literal na época da proibição. Durante o período de férias de 1926 em Nova York, 47 pessoas morreram por beberem bebidas envenenadas, no mesmo ano, a contagem subiu para 741 pessoas. Os coquetéis clássicos e barmen profissionais saíram do país e se instalaram em Londres e Paris, que se tornaram sinônimos de liberdade, classe e sofisticação.

John A. Leach, Chefe da Polícia de Nova York, observa seus funcionários derramarem bebida ilegal no esgoto após uma apreensão em 1921. Fonte: New York Times 

Bar? Onde?

"Joe sent me" Fonte: New York Times
Os bares "speakeasy", traduzidos como "fale baixo" se tornaram a atividade ilegal mais lucrativa da história dos EUA. A idéia era disfarçar o máximo possível bares, de maneira que as autoridades não pudessem identificá-los. Portas escondidas em restaurantes, entradas subterrâneas em hotéis, paredes falsas em mercearias, senhas, valia tudo para que os estabelecimentos se mantivessem disfarçados e acima de qualquer suspeita. Os clientes tinham que acessar os locais da maneira mais discreta possível. A expressão "Joe sent ment" ou "João me mandou" era a senha mais dita ao se bater na porta de um bar speakeasy, enquanto o cliente era verificado por um olho mágico do outro lado da porta. 

Belle Livingston, sendo levada para depor em 
 um delegacia em 1931. Fonte: New York Times
Durante esse período o contrabando de álcool se tornou um dos negócios mais rentáveis dos EUA, o gangster Al Capone controlava Chicago e quase todos os seus bares speakeasy. A maior quantidade de álcool contrabandeado para o nordeste Americano entrava via Canadá. E Nova York já se mostrava criadora de tendências desde aquela época, pois aqui era uma mulher quem comandava quase todos os bares speakeasy e casas de show: Belle Livingston. Em uma época em que as mulheres eram donas de casa e haviam recém conquistado o direito de votar, Belle ditava as regras do jogo na Nova York proibida. 




Crif Dogs, ou Please Don't Tell. Foto: Nina Raquel 
Nova York, 2012. Quando o presente não nos basta e falha em nos oferecer o que admiramos de onde estamos, o passado nos consola. Nova York anda apaixonada por seu passado proibido. A melhor mistificação de um bar estilo speakeasy se chama Please Don't Tell, traduzido, Por Favor Não Conte, localizado na rua St. Marks Place, no bairro East Village de Manhattan. Os clientes entram em uma lanchonete de cachorros-quentes chamada Crif Dogs, um lugar pequeno e despretensioso. Do lado esquerdo de quem entra na lanchonete há uma cabine telefônica dos anos 20, o cliente tira o fone do gancho e se identifica. Um interfone abre uma porta secreta que revela um ambiente exótico e antigo feito de coquetéis artesanais e bebidas incrementadas que são consumidas sob os olhos de animais empalhados e obras de arte.  Uma vez dentro do bar, clientes devem respeitar a regra do local e respeitar o termo, falando baixo e mantendo a descrição. Speakeasy é um termo usado atualmente para fazer graça, já que o negócio é completamente legal. Mas a intenção de se manter a áurea da era da proibição faz desses bares ótimas opções quando queremos experimentar a sensação de se voltar no tempo da proibição. Nova York decidiu se reencontrar com seu passado para continuar nos encantando com tudo que não se encontra em outros lugares. E quem diria que Americanos, com seu eterno moralismo, já gostavam de quebrar as regras e dar "um jeitinho" na lei. Soa familiar, Brasil? Como não se sentir em casa nessas horas? 

Rua Doyers, esconderijo do Apotheke. Foto: Nina Raquel
Uma outra opção é o bar Apotheke, ainda mais impressionante. O bar se esconde em uma rua deserta do bairro de Chinatown e não possui nenhum tipo de identificação. Para encontrá-lo, a referência é o restaurante Nom Wah Tea Parlor. Quando se está na frente do restaurante, há uma pequena porta à esquerda que dá para o bar speakeasy Apotheke. A decoração, a atmosfera e os drinks são incríveis e sensação de que se está fazendo algo errado, mesmo não estado, também. Todas as quartas-feiras, o lugar tem uma noite especial chamada "Prohibition Sessions", ou Sessões da Proibição, onde os clássicos do jazz dos anos 20 e 30 são interpretados por um trio de cantoras maravilhosas.  

Café Moto, em Williamsburg (Brooklyn). Foto: Nina Raquel 
Ainda sobre o jazz, a era da proibição foi um período de acensão de grandes nomes do estilo, que tiverem um papel chave no chamado "prohibition-era jazz", nomes como Louis Armstrong, Bix Beiderbeck, Duke Ellington, Paul Whiteman e Bessie Smith são artistas que se destacaram imensamente nesse período e são interpretados e ouvidos com encantamento em bares speakeasy. No Café Moto, no bairro moderninho de Williamsburg, pode-se encontrar um quê de proibicão. Apesar de não estar tão disfarçado, o local também pode passar desapercebido por qualquer visitante descuidado. Localizado embaixo de uma ponte no Brooklyn, o café se mantém solitário no fim de uma rua escura. Uma porta pequena e uma bicicleta antiga pendurada no exterior do bar são as suas identificações. O lugar é pequeno e está sempre lotado. Se você não se importa em ficar encostando cotovelos com a pessoa da mesa ao lado, a agenda musical de jazz é impressionante. Dois dos melhores grupos de jazz que eu  já vi ao vivo, Jake Sanders Small Groups and Quintet e Baby Soda são residentes do Café Moto e se intercalam entre sextas-feiras e sábados. 

Proibida ou não, Nova York sabe como agradar e se reinventar quando o atual não é tão interessante pelo simples fato de estar ao alcance de qualquer um. Como no amor, algumas histórias são mais especiais pelo simples fato de não poderem se realizar. E algumas épocas são mais interessantes pelo simples fato de não termos estado lá.