Tuesday, November 13, 2012

Nova York Vermelha

Fonte: www.kgbbar.com
Aqui nos Estados Unidos as eleições acontecerão no dia 06 de Novembro, e o rali entre republicanos e democratas fica cada vez mais acirrado. A mídia televisionada americana garimpa meticulosamente cada palavra, cada ato, cada opinião e, de acordo com a orientação política de suas redes, difamam ou veneram Mitt Romney, candidato representante do partido republicano e Barack Obama, representante do partido democrata. Eu não voto por aqui e confesso que não conheço muito a política nacional. Mas eu lembro bem que quando me mudei para cá em 2009, estava feliz e aliviada por vir morar em um país administrado por um democrata, ou melhor, o democrata: Barack Obama. Como estrangeira, me preocupo com a possibilidade de estar nesse país sob uma administração republicana. E essa preocupação é amplificada quando, por descuido, me pego hipnotizada vendo os discursos do Mitt Romney ou qualquer outro candidato republicano. É quase o mesmo prazer culposo que sinto ao assistir um reality show de baixo nível daqui, eu sei que eu nunca vou ter aqueles minutos de volta, mas não consigo mudar de canal mediante tanta insanidade.

Amigos no Mehanata Bulgarian Bar. Foto: Lionel Cazaubon


O que mais me deixa perplexa quando assisto os republicanos e seus discursos megalomaníacos, incoerentes e com um quê de supremacia que beira o incômodo, é o momento em que eles começam a acusar o Obama de ser um socialista. Nas eleições americanas, chamar alguém de socialista parece ser uma acusação tão séria quanto uma de corrupção ou de envolvimento em escândalo sexual. Diversos candidatos republicanos acusam o atual presidente e sua brilhante tentativa de reformar o setor de saúde nacional através do informalmente conhecido Obamacare, como um golpe socialista contra tudo que a América liberal significa. O sistema de saúde americano é privado e o aumento dos preços das coberturas de seguros de saúde não são regulamentados pelo governo, além disso, as seguradoras de saúde americanas podem negar cobertura a qualquer cidadão que tenha uma "condição pré-existente" de saúde, ou seja, as empresas aqui se dão o direito de decidir se um tratamento será caro demais e cancelar a cobertura de seguro do cidadão. O Obamacare considera ilegal que empresas de seguros neguem-se a prover cobertura para qualquer pessoa que tenha condições pre-existentes, esteja ela empregada ou não, e considera obrigatório que todos os Americanos tenham seguro saúde. Isso ajudaria a baixar os altíssimos preços estabelecidos pelas seguradoras privadas além de ajudar a desinchar o Medicaid (o seguro público de saúde que o governo paga para Americanos de baixa renda). Os republicanos ficam enfurecidos porque eles não acham que o governo deve travar uma briga com empresas privadas, que isso é um negócio e as seguradoras devem ser livres para regulamentar e cobrar como quiserem, afinal, estamos na terra da "liberdade". 

KGB Bar. Foto: Nina Raquel
O obamacare possui a essência do lado bom do socialismo, já que visa tirar o lucro exacerbado aos custos da saúde da população e tentar fazer com que o acesso à saúde no país não seja um negócio, e sim o que deve ser por definição: um direito humano. Eu não entendo como acusar alguém de socialista por ter uma intenção como essa se torna um insulto nesse país. Aqui, na terra do sonho americano, é cada um por si, e parece ser pecado achar que todos têm os mesmos direitos quando isso implica em incomodar corporações que tratam vidas como moeda de troca. 

Em homenagem ao "Obama Socialista" como dizem os republicanos, e em quem eu votaria se pudesse, eu decidi buscar os resquícios da cortina de ferro por Nova York, e me surpreendi com a influência, a originalidade e a beleza dessas comunidades nessa cidade, a capital do consumismo, do liberalismo e onde, para minha alegria, há sempre uma oposição para tudo. Uma cidade que promove o diálogo e a tolerância e que recebe e acolhe até aqueles que já foram a maior "ameaça" ao sonho liberal. 

KGB Bar. Foto: Nina Raquel
Um dos meus lugares favoritos da Nova York Vermelha se chama bar KGB, um barzinho despretensioso no East Village para amantes da literatura, música e simpatizantes das idéias do movimento socialista. Lá, artistas conhecidos e desconhecidos se reúnem em clima de QG camuflado para recitar poesias, ler manifestos, contar estórias, cantar, dançar ou simplesmente trocar uma idéia politizada (ou não) com alguém. www.kgbbar.com

Certas partes do East Village possuem uma forte influência de comunidades ucranianas e polonesas, com diversos restaurantes, bares e associações desses países. Um dos meus favoritos do bairro é o Veselka, restaurante 
famoso por servir o tradicional borsch, uma sopa de beterraba famosa por todo o Leste Europeu. O local foi inaugurado em 1954, é aberto 24 horas e vale a pena ser visitado pela decoração, pela localização e pela oportunidade de se conhecer e se surpreender com as delícias da cultura culinária de uma região que não é muito reconhecida por isso. 

Restaurant Veselka. Foto: Nina Raquel 
Umas das maiores comunidades polonesas é localizada no bairro ao lado de onde eu moro, em Greenpoint. É impressionante caminhar pelas ruas e ver mercados, farmácias, padarias com tudo escrito em polonês. É fantástico como Nova York consegue nos transportar para outros países de um bairro para outro. Mais impressionante ainda é a Little Odessa, uma imensa comunidade ucraniana/russa localizada em Coney Island, também no Brooklyn. O bairro é mencionado no filme Senhor das Armas, como local onde o personagem principal e seu irmão cresceram. Mas a influência do Leste Europeu e da boêmia dos Bálcãs está pincelada em vermelho por toda Manhattan, a prova disso é o famoso bar búlgaro Mehanata, uma casa noturna com música cigana tradicional, bandas de gypsy-punk e um porão com uma discoteca siberiana e um "ice cage" ou jaula de gelo, onde qualquer um que esteja disposto a pagar 20 dólares, terá direito a dois minutos trancados em um refrigerador com temperatura abaixo de zero, vestido com um uniforme militar soviético e com dezenas de garrafas de vodka do mundo inteiro e um copo. A noite pode acabar mais cedo para quem não tem resistência leste-européia para o álcool, mas para os que honram seus uniformes temporários, a diversão é garantida. www.mehanata.com

Fonte: www.russianteamroomnyc.com 
Nova York presta continência à grande mãe Rússia com o famoso Russian Tea Room ou salão de chá russo, um restaurante e salão de chá super sofisticados que beiram o kitsch com toda a ostentação de ouro, veludo, esculturas de gelo e, acima de tudo, muita vodka. O lugar é lindo dentro da sua proposta. Um pouco mais recatado e mais focado no bom gosto, mas igualmente impressionate, é o restaurante russo Mari Vanna. O restaurante te dá a impressão de estar visitando a casa de uma avó russa. A comida, o clima acolhedor e a apresentação são impecáveis. Para mais informações: www.russiantearoomnyc.comwww.marivanna.ru/ny/

Restaurant Mari Vanna. Foto: Neil Vissink
Como Brasiliense, não há como não identificar um quê soviético nos concretos e nas estruturas da nossa Capital, seja na propagação dos blocos igualitários, nas super-quadras padronizadas, tudo setorial, tudo uniformizado. Niemeyer, o arquiteto dos nossos edifícios, foi afiliado do Partido Comunista Brasileiro, de onde se tornou presidente em 1992. Aqui em Nova York, sua inclinação política está eternizada do prédio da sede das Nações Unidas, que ele ajudou a desenvolver juntamente com o arquiteto francês Le Corbusier. Buscando a relação entre Brasília e revolução, me deparei com um vídeo genial dos amigos Thiago de Castro, Fred Macedo e André Catuaba, pessoal do Qualquer Cinema, quadro que passava na Revista 100,9 da Cultura FM. Ele produziram um vídeo chamado Cinema e Revolução, uma compilação hiperativa, original e muito interessante da relação entre a sétima arte e a visões da esquerda por diretores mundo afora. Clique abaixo para acessar o vídeo:


Um dos meus ídolos musicais do Leste Europeu é Eugene Hultz, ucraniano de origem que imigrou para os estados unidos e viveu em Nova York, onde formou o grupo Gogol Bordello. A banda tem um estilo único, boêmio, intenso e divertido. Nas músicas, há uma melancolia afogada em vodka de quem deixou o lar para ganhar o mundo, uma vida melhor, ou simplesmente ganhar, seja lá o que for. Uma celebração divertida da cultura cigana, um resgate musical, uma homenagem aos que levam sua casa e suas raízes por onde quer que estejam.  Um dos meus vídeos favoritos da banda, o Wonderlust King, possui cenas gravas na calçada da orla de Coney Island, no Brooklyn, bairro de uma das maiores comunidades do Leste Europeu. Não há como negar que eles sabem se divertir e aproveitar o melhor da vida como poucas outras comunidades sabem, e isso é vindo de uma brasileira. Clique abaixo para acessar o vídeo:


Durante o mês de setembro Nova York é sede do Festival de Cultura Cigana, com música, cinema e dança dos bálcãs. Para mais informações: http://www.nygypsyfest.com/

PS. Agradecimentos à minha querida amiga, Nicole Judd-Bekken, que me educa sobre as suas dores e delícias de ser Americana.

Нина

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